Em nosso primeiro encontro, falamos sobre como fazer amizades na meia-idade, esse confuso momento em que trabalhamos em casa ou com pessoas que roubam o bife da nossa marmita ou ouvem Sambô ou defendem que os piores brasileiros disponíveis tenham cargos no Executivo, um pessoal que talvez você não queira ver no boteco depois das 18h. O corpo não aguenta mais a socialização noturna sistemática e eu sei que ninguém aguenta mais aquela piada de que hoje em dia você não tem mais ressaca, fica doente, então eu não vou fazer. Os coletivos baseados em hobbies estão por aí, mas a chance de você se ver ao lado de alguém que não vai calar a boca sobre como a pizza de São Paulo é melhor do que as outras, que nem são pizza, é basicamente um pão aquilo ali, é substancial. O que fazer, então?
Há um tempo atrás, existia a internet. Como era bom, né? Espaços comunitários em que você poderia matar um tempo, encontrar sua turma, se expressar, construir projetos com o pessoal e, dando tudo certo, dar uns beijos. Eu não tive muito sucesso, mas tô sabendo que vocês passaram o rodo. O jovem doutor, de limitadíssima habilidade social e completamente desinteressado no que acontecia ao seu redor, encontrou refúgio e estímulo por ali, desde os chats neolíticos no Terra e no Uol, passando pelo paraíso que era o mIRC, pelas conversas sobre som de noia no Soulseek e pelo caos maravilhoso que era o Twitter. Foi algo muito importante pra muita gente e deixou muita saudade.
Sob risco de parecer para o leitor mais jovem um daqueles velhos chatos que só ouve Led Zeppelin em vinil, acho que dá pra gente concordar que isso não existe mais. Rede social hoje em dia é pra vender coisa: bugigangas, tendências, maracutaias. O algoritmo vai mudando o tempo inteiro e o objetivo nunca é facilitar a sua vida, te levar para perto dos seus amigos e de pessoas que poderiam ser seus amigos. Influenciadores passam o dia inteiro empurrando as discussões mais vagabundas e aí você entra no Twitter pra dar uma relaxada e se depara com a Dora Figueiredo discutindo com a Odebrecht se o certo é biscoito ou bolacha. Ricaços compram plataformas outrora interessantes, transformam o nosso cérebro em purê e comprometem a democracia pelo mundo, e não conseguimos abandonar essas porcarias porque estamos viciados. Um dia o Elon Musk vai exigir uma mamadinha pra liberar o acesso e vai ter gente se ajoelhando (seria esse o meu caso? Meia-noite eu te conto).
Aí você, com a testa franzida, as mãos fechadas, um calor subindo para o cocuruto, sentindo-se inundado por sentimentos de raiva, frustração e tristeza, me pergunta se não tem nada que a gente possa fazer. É claro que tem, meu querido. Vê se eu ia só te trazer problema e ir embora. Sim, existem espaços de qualidade para a socialização na internet. Eles só estão mais escondidos, longe dos olhos predatórios dos estábulos de influencers e desses bilionários com espírito de calvo que não conseguem ver coisas bonitas florescendo sem pisar em cima. Aqui eu listo algumas opções, mas sério, não mostrem pra todo mundo.
As caixas de comentários de vídeos no YouTube com músicas feitas antes do ano 2000
Talvez não existam lugares mais humanos em toda a internet. Você entra nos vídeos, sei lá, de “Lanterna dos Afogados” dos Paralamas ou “Resposta” do Skank, e é sempre um pessoal falando de como era um tempo bom, contando histórias da juventude, se perguntando por que não podia ser sempre assim, e aí as respostas são tipo “é verdade, meu velho, eu também transei pela primeira vez com a minha primeira ex-mulher ouvindo Virgulóides, sinto muita falta dela e da banda, acho que eles foram muito injustiçados”, e a partir disso vocês levam a conversa para o privado, um laço REAL já estabelecido, e faz um amigo pro resto da vida. Nunca vi ninguém xingando ninguém na caixa de comentários de “Como Eu Quero” do Kid Abelha. O pessoal só discute sobre como a Paula Toller é linda e não envelhece, o que é verdade, coisa muito estranha mesmo, mas não é pra isso que estamos aqui.
Plataformas de entusiastas de swing
“Como assim, doutor?” Pois é, rapaz. O mundo é uma loucura. Sites como Sexlog e CRM estão por aí há um tempo reunindo supostos fetichistas e entusiastas de modalidades sexuais grupais, passando ao largo da maioria das pessoas, que acham tudo uma safadeza ou preferem desenrolar esse tipo de brincadeira indo em bares e abordando estranhos com frases tipo “a gente gostou muito da sua vibe”. Pois eu trago essa informação pra vocês aqui: é tudo uma farsa. Essas páginas são basicamente idênticas ao Orkut do começo dos anos 2000, cheias de gente criando comunidades bem-humoradas, baixando discografias completas, discutindo de forma polida sobre seriados e produzindo memes a serem utilizados nas próximas décadas. Eles só não querem que você saiba de nada disso, porque você é palha e vai avacalhar o rolê, no que eles tem toda a razão. Pra ser honesto, já me arrependi de ter contado. Se entrar, não diga que ficou sabendo por mim.
Fóruns sobre celulares obsoletos
Eu tinha um celular (semana passada entrei na estatística e fui roubado, na Vila Madalena ainda, aquela bosta, eu devia ter ficado em casa, mas enfim) de boa performance e preço adequado, mas cuja produção foi descontinuada provavelmente devido ao desinteresse da clientela em comprar um aparelho com as dimensões aproximadas de uma quadra de peteca. Entretanto, mesmo sendo um celular pouco popular e que nem está sendo mais vendido, existe uma quantidade impressionante de fóruns sobre ele, encontráveis com facilidade pelo Google. O que se discute ali? Música dos anos 90. Boy bands, grunge, britpop, Pavement, aquelas bandas nacionais do selo Chaos. O pessoal encontrou essas cavernas abandonadas e fica lá papeando o dia inteiro, sem ser incomodado por ponderações internéticas contemporâneas tipo “gente, só eu que ODEIO o cheiro de BOSTA no meu corpo?”.
Pesquisando um pouco mais a respeito, descobri que cada modelo de celular sinaliza um tema diferente. Literatura, esporte, videogame, moda, culinária. Uma rede vibrante, embaixo dos nossos narizes, rindo da nossa insistência em buscar conversa interessante em caçambas de lixo. Se você se interessou, me mande uma mensagem e eu te conto onde encontrar cada assunto. Só fica uma recomendação: nunca entre nos fóruns sobre os aparelhos Positivo. Não diga que eu não te avisei.
Os comentários do perfil @hmmfalemais no Instagram
Olha, francamente, vocês estão de parabéns. Hoje em dia uma das minhas principais motivações para seguir com o perfil (além da obrigação contratual com a Folha de São Paulo e um vício degradante em likes e reforço positivo) é ler as piadas que a rapaziada deixa em cada postagem. Quase sempre um clima amistoso, agradável e instigante, com exceção de um sujeito palestrinha que deixava umas mensagens agressivas pra quem discordava das opiniões merdas dele (quase sempre mulher) e um rapaz que tá dando em cima de todo mundo no privado, queria dizer que já vieram reclamar e não foi só uma pessoa não, fica esperto que seu nome tá correndo por aí. Eu ficarei muito feliz e honrado se pessoas trocarem fluidos por causa de algo que eu fiz, mas nas palavras do grande filósofo Marcelo D2, vamos manter o respeito.
Esses são apenas alguns exemplos; muitos outros com certeza estão por aí, se insinuando para olhos atentos. O próprio Substack é outro, hoje um grupinho reduzido de pessoas, todo mundo muito interessante e bem comportado, querendo aprender e ampliar sua rede de amigos e contatos, até a coisa crescer, chamar atenção e aí vai surgir uma propaganda aqui, vão colocar um recurso de imagens instantâneas tipo stories ali, a Nazaré Amarga vai fazer uma newsletter e vai ficar tudo uma bosta, e a gente vai continuar vivendo nesse ciclo até o fim de tudo, que provavelmente não tarda.
Mas o futuro a gente vê depois, né? Uma boa semana a todos!
Acompanhei uma história de amor tristíssima nos comentários de uma música da Alcione no yt. Com direito a pedidos das pessoas para mais detalhes da história e episódios postados vários dias depois. Eu entrava diariamente esperando novos capítulos. Grande momento. Hoje em dia sempre entro nos comentários das músicas dela, mas as pérolas sempre estão onde menos esperamos.
Ha mais ou menos 20 anos eu fiz amizade com um cara através do fórum da comunidade "Joselito Sem Noção" no Orkut.
Pra fortalecer nosso vínculo ele me mandou pelo correio uma fita cassete onde ele cantava músicas do Elvis Presley, entrevistava a família e imitava o Supla. Eu guardo a fita até hoje, infelizmente a tecnologia evoluiu demais e eu não sei se conseguirei ouvir de novo.